Trabalhar é duro. Pode ser recompensador. Gostoso. Até divertido. Mas é duro – ou então não é trabalho. Requer gasto de energia. Suor. Afinal, se fosse fácil demais o outro faria, não precisaria pagar ninguém para fazer. A verdade é que não existe recompensa para o que não requer esforço.
E onde existem esforço e gasto de energia, inevitavelmente haverá desgaste e cansaço. Pois é, não são boas notícias: trabalhar desgasta e cansa. Aguenta que faz parte.
Os mais velhos dirão que a nova geração é preguiçosa, fraca, folgada. Não segura o tranco do trabalho. De alguma maneira não estão de todo errados. Os jovens são um pouco assim mesmo. Mas não são esses jovens de hoje. São os jovens de sempre. Você aí, grisalho, antes de dizer que no seu tempo não era assim, dê uma lida no que a revista Time falava dos jovens quando você era um deles:
“Eles têm dificuldade para tomar decisões. Eles preferem escalar o Himalaia do que subir na escala corporativa. Eles têm poucos heróis, nenhum hino, nenhum estilo para chamar de seu. Eles anseiam por entretenimento, mas sua capacidade de atenção é tão curta quanto um clique no dial da TV. (…) Eles adiam o casamento porque temem o divórcio. (…) O que eles prezam é a vida familiar, o ativismo local, os parques nacionais, os mocassins e as mountain bikes”.
Não deveria surpreender que dizemos hoje sobre os millenials exatamente as mesmas coisas que os baby boomers diziam sobre a geração X. E os próprios baby boomes foram criticados quando jovens, é óbvio. Foi assim desde o início e será até o final dos tempos. Sim, os millenials já criticam a geração Z, havendo debates acalorados na internet apontando sua imaturidade e excessiva sensibilidade.
Mas voltando ao trabalho, é inevitável haver algum grau de desgaste. O grande desafio é diferenciar o quanto esse desgaste é natural e inerente e o quanto ele passa do razoável, configurando um excesso. Nesses casos a sociedade tem o dever de corrigir os rumos, prevenindo exageros e protegendo a saúde dos trabalhadores.
Esse é o espírito da mudança na Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a NR-1. As normas regulamentadoras são as regras que trazem “obrigações, direitos e deveres a serem cumpridos por empregadores e trabalhadores com o objetivo de garantir trabalho seguro e sadio, prevenindo a ocorrência de doenças e acidentes de trabalho”, na descrição do MTE.
A NR-1 trata do gerenciamento de riscos ocupacionais, e há muitos anos obriga dos empregadores a identificar perigos e riscos nos locais de trabalho, para reduzir sua presença, preveni-los coletivamente ou, no mínimo, fornecer equipamento de segurança individual (EPI).
Agora, a partir de 2025, o programa de gerenciamento de riscos, que já era obrigatório, deverá incluir além dos riscos químicos, físicos, biológicos, ergonômicos e de acidente, os riscos psicossociais, num processo contínuo revisto no mínimo a cada dois anos.
O objetivo é justo. Às vezes existem mesmo lugares no trabalho em que há risco de acidentes. Em que a postura exigida desgasta a coluna lombar. Ou em que as pessoas ficam em risco de adoecer mentalmente. O difícil, nesse ultimo caso, é definir quais são os fatores de risco para poder identificá-los e corrigi-los.
É uma tarefa complicada: resolvi fazer um levantamento dos fatores de risco psicossociais elencados pela Agência Europeia de Segurança e Saúde no Trabalho, pelo Centro Canadense de Saúde e Segurança Ocupacional, e pela Associação Nacional de Profissionais de Segurança (EUA) e no fim a lista tinha mais de quarenta itens, incluindo fatores que iam desde o equilíbrio entre vida pessoal e profissional até contato com clientes problemáticos, algo difícil de operacionalizar na prática.
Mas se ajuda em algo, identifiquei pontos comuns às três listas, que não são muitos e podem ser identificados com questionários de fácil aplicação:
- Demandas de trabalho conflitantes
- Falta de clareza sobre papéis e expectativas
- Comunicação ineficaz
- Insegurança no emprego
- Assédio (incluindo psicológico e sexual)
- Falta de apoio da gestão ou dos colegas
- Carga de trabalho excessiva
- Mudanças organizacionais mal gerenciadas
É uma lista que me parece fazer sentido. Manter clareza nas demandas e na comunicação, suportar a realização das tarefas, manter uma carga que seja humanamente possível, tudo isso parece ser bastante razoável. E em se tratando de empresas, nunca é demais lembrar: não só é ético – e agora, obrigatório. Também é lucrativo.
Escrito por Daniel Barros | Médico psiquiatra e bacharel em Filosofia. Professor colaborador do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP
Fonte: CNN Brasil