[Seconci na mídia] Salas de aula nos canteiros de obras e empresas

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| 06/10/2025

Oportunidades de retomar ou iniciar os estudos ocorrem dentro do ambiente de trabalho, durante o expediente e já beneficiaram mais de 14 mil operários e colaboradores nos últimos anos

Correio Braziliense

No Distrito Federal, iniciativas de alfabetização de jovens e adultos vêm transformando a vida de trabalhadores que, por diferentes razões, não tiveram a oportunidade de iniciar ou concluir os estudos. Essas ações, que vão desde a alfabetização básica até a preparação para o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), buscam reduzir o índice de analfabetismo na capital, hoje em 1,7% da população, segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) 2024.

A construtora PaulOOctavio foi a primeira empresa da construção civil brasileira a realizar o projeto de alfabetização em canteiros de obra em 1989. Com a ação foi possível beneficiar mais de 2,5 mil operários, o que fez com que, segundo a assessoria, a empresa não possua mais colaboradores em situação de analfabetismo. 

As salas de aula improvisadas — instaladas em canteiros de obra, ambiente corporativo e até mesmo dentro da própria comunidade — oferecem oportunidade única de conhecimento a colaboradores como Luiz Carlos Serafim, 54 anos, oficial de manutenção, que começou a trabalhar aos oito anos e nunca havia frequentado a escola. 

Serafim iniciou os estudos em agosto de 2024 por meio da iniciativa da construtora Multiplan, em conjunto com o ParkShopping. Com os estudos, teve o dia a dia transformado no que diz respeito ao ambiente de trabalho e ao convívio social. Segundo ele, o que acontece em sala de aula vai além dos estudos. O espaço permite a criação de boas relações afetivas. O colaborador afirma: “Eu quase não tenho família; além do meu irmão, esses colegas são minha família”.  

Iniciativas como essa também são realizadas pelas construtoras Conbral e Faenge, em parceria com o Serviço Social da Indústria da Construção (Seconci-DF) e pela Secretaria de Estado e Educação do Distrito Federal (SEED- -DF). Por meio das salas de aula improvisadas, as instituições oferecem um serviço benéfico aos trabalhadores, à sociedade no geral e aos empresários que buscam desenvolver as habilidades educacionais de seus colaboradores. 

Para a pedagoga Tayanne Gomes, 29, que atua com cerca de 10 alunos regulares em um dos canteiros de obra da Faenge, o projeto é de muito valor para a sociedade, em especial aos operários e às suas famílias: “Se fosse na minha família, eu ficaria extremamente feliz em saber que alguém que antes não lia, hoje vai ao mercado sozinho, não depende de ninguém para pegar ônibus”, pontua. Uma evolução que, segundo ela, pôde perceber em seus alunos desde o início do programa. 

Parceria com o governo 

Adão Domingos Reis, 45 anos
Adão Domingos Reis nasceu surdo: está há 10 anos no projeto de alfabetização(foto: Yandra Martins/ CB Press)

A trajetória de Adão Domingos Reis, 45, meio oficial de pedreiro, emociona. Nascido surdo, começou a falar apenas aos 8 anos, enquanto trabalhava para sustentar os pais, que, segundo ele, sempre foram prioridade em sua vida. Por um tempo, tentou conciliar os estudos e o trabalho, mas em certo ponto, não via mais possibilidade, então abandonou os estudos. 

Domingos passou a frequentar as aulas dentro dos canteiros de obra da Fange logo no início da parceria entre a construtora e a Secretaria de Educação, há mais de 10 anos. O operário entende como a vida pode ser árdua para aqueles que não seguem com os estudos, mas afirma, também, que nem sempre isso se dá devido às escolhas de cada um, mas, sim, pelas condições financeiras.  

O operário destaca as habilidades adquiridas ao longo dos anos em que participa do projeto: “Já sei fazer Pix e até sei fazer contas no banco”, destaca. Ele afirma que, agora, a leitura e a escrita não representam um grande problema em sua vida, pelo contrário, consegue realizar as tarefas do dia a dia sem auxílio de ninguém.  

Alessandro Lourenço de Sousa, 47, também faz parte do grupo de estudantes beneficiados pelo programa. O servente de pedreiro abandonou os estudos muito jovem, quando estava no segundo ano do ensino fundamental. Para ele, o que o levou a sair da escola onde estudava no Nordeste foi uma situação específica, em que durante uma brincadeira maldosa em sala de aula, um colega puxou sua cadeira e o feriu gravemente, levando-o a passar algum tempo internado.  

Após o trauma, Alessandro focou apenas em trabalhar e deixou de lado os estudos, porém quando entrou na construtora, ao saber das salas de aula dentro dos canteiros, fez contato com a responsável pelo projeto e pediu para participar e retomar os estudos. Segundo ele, algo que marca sua evolução é o fato de conseguir tirar os documentos por meio da assinatura, não mais com a digital.  

A iniciativa é benéfica não apenas para operários e servidores, mas também para os empresários que optam por aderir a ela. Segundo Leonardo Ávila, 49, sócio-fundador da Faenge, devido à implementação do projeto nos canteiros de obra, em 2012, o rendimento dos operários a permanência deles na empresa aumentaram, assim como a organização do espaço de trabalho. O empresário atribui isso ao sentimento de pertencimento dos operários, que, ao notarem que a empresa enxerga além da mão de obra, acabam por entregar-se mais às funções.  

Cidadania garantida 

Pedro Antônio, 50 anos
Pedro Antônio, 50 anos, deixou de estudar na idade certa porque nasceu na área rural(foto: Yandra Martins/ CB Press)

“Minha filha caçula me dizer que vai tirar dúvidas comigo é muito gratificante, é um sinal de que estou no caminho certo”. diz o operário de construção civil, Erasmo Souza Coelho, 58, que nasceu no Maranhão e, ainda, jovem mudou-se para Brasília em busca de melhores condições de vida. Erasmo é um dos beneficiados pelo programa de alfabetização nas construções da Conbral.   

O projeto de alfabetização em canteiros de obra teve início em 1991, tendo a construtora Conbral como pioneira na iniciativa. Mais de 1.500 operários  foram beneficiados pela parceria. Geraldo Gomes, 58, coordenador- pedagógico da instituição, destaca a importância do programa: “O funcionário ter o conhecimento, conseguir ler uma bula de remédio a ser ministrada ao seu filho, pegar ônibus e utilizar um caixa eletrônico é muito valioso” 

Pedro Antônio Oliveira, 50, nascido no Piauí, atribui a falta de estudos à realidade vivida na cidade natal. Segundo ele, a vida na área rural impossibilita as crianças de frequentarem as instituições de ensino, devido a necessidade de ajudar nas colheitas e demais tarefas.  

O ajudante de pedreiro diz que, apesar da falta de oportunidade na infância, para a sua filha mais velha, de 11 anos, não faltarão oportunidades, segundo ele: “O que um pai pode dar de mais valioso a um filho são os estudos”. Oliveira afirma ser ativo na comunidade escolar de sua filha, participando de reuniões e incentivando os estudos. Para a caçuça, de oito meses, ele garante que também estará sempre incentivando, pois sabe a importância da formação. 

O empresário Daniel Muniz, 39, gerente de operações da Conbral, destaca a importância do projeto para garantir a cidadania dos funcionários, além de assegurar a devida segurança no ambiente de trabalho, de tal forma que, com a alfabetização, os operários passam a entender as placas de segurança por meio não apenas das imagens, mas também com as mensagens escritas.  

Para Muniz, a colaboração com o Seconci abre portas a diversos funcionários, que podem sair de funções primárias dentro do setor da construção civíl e alcançar os mais altos cargos. Além disso, ele pontua como a colaboração entre os operários e os empresários funciona de modo a beneficiar ambas as partes. “Quando o colaborador cede 30 minutos do seu tempo de descanso e o empresário 30 minutos do período de trabalho, isso reforça o compromisso de ambos com a educação”, conclui. 

Yandra Martins | Estagiária sob a supervisão de Ana Sá